quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Abrir a Bíblia é encontrar Cristo

Prof. José Pereira da Silva



O mês de setembro é na Igreja Católica dedicado a Bíblia. “Na Sagrada Escritura Deus falou através de homens e de modo humano” (DV, 12).
A Bíblia é considerada “o alimento espiritual” por excelência, uma vez que foi inspirada por Deus, segundo as palavras de São Paulo: “Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça” (2Tm 3,16).
A Igreja “exorta todos os fiéis cristãos, com veemência e de modo peculiar... a que pela freqüente leitura das divinas Escrituras aprendam ‘a eminente ciência de Jesus Cristo’. Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oração, afim de que se estabeleça o colóquio entre Deus e o homem; pois ‘a Ele falamos quando rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos’ (Sto. Ambrósio).
Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7, 7, resume assim as disposições do coração alimentado pela Palavra de Deus na oração: “Procurai pela leitura,e encontrareis meditando; batei orando, e vos será aberto pela contemplação”(Guigo, o Cartuxo, Scala: PL 184,746c).
A Bíblia é uma forma de presença de Deus no meio de seu povo. Ela nos faz ouvir a Deus, a Ele nos conduz e nos faz conhecer seu amor. Se estivermos abertos à ação do espírito santo, a Bíblia nos fará não só ter um conhecimento teórico da Palavra de Deus, mas também experimentar vivamente o amor com que Deus nos ama. Essa experiência é essencial na vida cristã.
O Papa João Paulo II disse que a: “Bíblia é a história de como Deus ama seu povo”(Familiaris Consortio, 12). A história de como Deus amo seu povo, de como Deus agiu, age e agirá na história da humanidade.
A leitura da Bíblia funciona como colírio. Vai limpando os olhos, devolve o olhar da contemplação que nos foi roubado pelo pecado (Sto. Agostinho), e nos torna capazes de tirar o véu dos fatos para experimentar neles a presença libertadora de Deus.
Jesus Cristo é a chave principal para se ler e entender a Sagrada Escritura. Jesus é o centro, a plenitude e o objetivo da revelação que Deus vinha fazendo de si, desde Abraão e desde a Criação. “As Sagradas Escrituras devem ser lidas e interpretadas com o mesmo Espírito com que foram escritas”.
Ao lermos a Bíblia temos a certeza de que “tudo o que foi escrito, o foi para a nossa instrução para que, pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15, 4). A Sagradas Escritura não é apenas o livro daquilo que Deus disse e fez, mas palavra que Deus diz hoje para mim. Devemos aproximar-nos da Palavra de Deus com a firme convicção de que nos aproximamos de um sacramento de salvação.
Lendo a Bíblia devemos nos sentir diretamente interpelado pelo Pai, que, como a Pedro, Tiago e João, no monte Tabor, lhe diz: “Este é meu Filho... escuta-o”. Deve-se manter, pois, numa atitude de máxima atenção, para ouvir Deus que “nesses últimos tempos falou por meio de seu Filho” (Hb 1,2).
Em Cristo se ouve com nitidez a voz do Pai que fala ao homem. Jesus, presente na Palavra de Deus é o intérprete oficial que traduz as Palavras divinas, “as palavras inefáveis que o homem não pode pronunciar” (2 Cor 12,4) em linguagem humana e que traduz o pobre balbuciar humano em linguagem humana.
O encontro com Deus através da Palavra se traduz em paz e alegria espirituais, em novas energias e ímpetos de servir a Deus, e também, paralelamente, numa progressiva descoberta de sua própria pequenez e limitações, numa sensação de se estar movendo no maravilhoso mundo da Verdade e da Vida divinas. Os discípulos de Emaús são um exemplo muito expressivo dessa experiência única: “Não ardia nosso coração enquanto nos falava no caminho explicando-nos as Escrituras?” (Lc 24,32).
Na leitura descobrir o que Deus nos diz naquele momento para dar-lhe uma resposta generosa: é uma meditação que nos abre o caminho para penetrar no mistério de Deus. É dedicar um tempo a viver, do modo mais consciente possível, aqui e agora, a vida divina da qual fomos feitos participantes por Cristo.
É necessário que seja uma leitura tranqüila, repousada, interiorizada. Feita com a clara consciência de viver o que se lê.
Um dos métodos para descobrir a Bíblia como caminho de encontro com Jesus Cristo e para fazer a experiência de seu amor neste encontro, é a Leitura Orante. Ele vem da antiga tradição da Igreja. A leitura orante da Bíblia se compõe de 4 passos: a leitura do texto, a meditação, a oração e a contemplação.
O primeiro passo é a leitura do texto. Começa-se pela escolha de um trecho da Bíblia, de preferência dos Evangelhos. Na leitura do texto, podemos conhecer primeiro a letra da Palavra de Deus, para penetrar em seguida no seu espírito e compreender seu sentido. É preciso ler devagar, com toda atenção, e deixar-se envolver pelo texto.
O segundo passo é a meditação do texto. Na meditação perguntamos: o que diz o texto para mim, para nós, hoje? O que Deus quer dizer a nós hoje através do texto lido? Na meditação, trata-se, portanto, de tornar o texto atual e trazê-lo para dentro de nossa vida e realidade.
O terceiro passo é rezar. A oração, aliás, deve estar presente desde o início da leitura orante, quando invocamos o espírito santo, a fim de que Ele nos ilumine e acompanhe na leitura. A meditação nos deve levar à oração, nos deve levar a falar com deus sobre o que o texto nos diz.
No quarto passo, entramos na contemplação. Os três passos anteriores, assim, por nos fazer contemplar a Deus, nos colocam diante de Deus e nos faz experimentar o mistério de seu amor. O amor, simultaneamente, procede da palavra e precede a palavra.
A Bíblia é um Livro Vivo. Sob suas fórmulas esconde-se a misteriosa presença de Deus que nos interpela quando a lemos. Quando escutamos suas palavras, no dizer de São Gregório Magno (590-604), “é como se víssemos sua própria boca”. E esse Livro Vivo, em sua totalidade, converge para Cristo: “Toda a divina Escritura é um livro e este único livro é Cristo. Abrir a Bíblia é encontrar Cristo. São Jerônimo (347-420) tem esta frase famosa: “Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Que possamos repetir com Santo Agostinho (354-430): “Com tua palavra percutiste o meu coração e te amei”.